Entrevista do jornal "O Jogo" na "Revista J" - 1/6/2014


Olá Carlos.
 
1. Para começar, fale-nos da sua evolução enquanto diabético. Quando desenvolveu a doença, com que idade, como descobriu, etc.
No meu caso "despertou" aos 19 anos. Em 2/3 semanas, fui diagnosticado.
Na altura “treinava” BTT quase diariamente, com bastantes cãibras, até então desconhecidas para mim. Tinha todos os sintomas típicos: muita sede e a consequente micção, cansaço constante, com uma fome devoradora! Neste rápido desenrolar em que perdi mais de 10kg o que mais me constrangia
era a rapidez com que tinha de encontrar um WC.
 
2· Como foi o impacto na sua vida?
Guardo na memória o primeiro registo 537mg/dL. Os meus pais, que foram à consulta, refletiam nos olhos o impacto da notícia.
Eu tive uma interpretação de normalidade se o posso definir assim "É para o resto da vida! Está bem! Como se faz?"
Sendo uma doença crónica as consequências da má gestão pagam-se a longo prazo, por vezes descuidamos os detalhes que fazem toda a diferença.
 
3· Já fazia desporto na altura, em especial BTT?
Sempre pratiquei desporto amador. O BTT amador foi nesse preciso ano.
Judo, karaté, atletismo em pequeno. Ténis, andebol e basquete no básico esecundário. Como escoteiro, dos 13 anos em diante praticava muitas atividades ao ar livre.
Já adulto e fora de Portugal iniciei-me no squash e natação. As bicicletas acompanham-me desde pequeno.
Um diabético, por norma, e para bem do próprio, têm de adotar determinados padrões que o levem a gerir a sua diabetes, a todos os níveis.

 
 
4· O que mudou na sua vida no dia antes de ter diabetes e depois de saber da doença? Em termos desportivos, mas também em termos pessoais?
Inicialmente não fazia uma ligação causa-efeito! Fui aprendendo com o tempo, experiencias e tentativas, sempre fui muito autodidata.
Na alimentação passei a comer melhor, qualquer pessoa - não só o diabético - deve comer pouco e muitas vezes ao dia, é uma regra fundamental.
Um exemplo prático; a gordura tem 3 vezes mais HC (Hidratos de Carbono) que o açúcar na mesma quantidade - uma mousse ou um pacote de batatas fritas? – ter uma cabeça disciplinada é fundamental!
A insulina às horas estabelecidas e o desporto complementa o "tratamento" ajudando a estabilizar a glicémia.
De forma alguma, só mais tarde é certo, mas o "click" do desporto sempre foi constante!
 
5· Pensou em parar ou isso nem foi uma questão em cima da mesa?
Na vida sou otimista e persistente até dizer chegar!
Há uma regra fundamental num diabético, perceber os sintomas que o corpo nos transmite, na dúvida, fazemos uma leitura de glicémia, para confirmar! Antes de cada refeição devemos medir para saber que quantidades devemos comer e que insulina dar, sempre em função do que vamos
fazer.
 
6· E como surgiu o blog e o conceito blue O? Já existia antes, noutro formato, ou foi algo criado de raiz?
Em 2009 fiz a Prova de Avis do Campeonato Norte Alentejano XCO. À 1ª passagem, já com sintomas de hipo, comi mal. No decorrer da 2ª volta a hipo
"instalou-se" fazendo com que terminasse muito tarde e ainda por recuperar. Na meta havia muitas pessoas da organização, mas nenhuma perguntou o que se tinha passado comigo!
Com este episódio, pensei num equipamento personalizado, confesso, por causa de uma prova de 24H em Castelo Branco, em que o atleta António Girão tinha todo personalizado. Já lhe referi pessoalmente este pormenor.
Depois do sucedido em 24 setembro de 2009 começo uma rubrica no Forum BTT - Saúde e Treino; “omeuBTTtemDIABETES”.
Inicio contactos até ao nível internacional passando pelas instituições todas ligadas à diabetes em Portugal, com algumas respostas afirmativas, surge
o blog para ilustrar e projetar os apoios. Na sequência vem a divulgação nas redes sociais e pelo interesse e contacto de outros desportistas amadores, também diabéticos, a página no Facebook “Projecto blue O”.
“Projecto blue O” é mais abrangente. Tem vários “gestores” especializados, todos amadores! Corrida, escalada, trail, corfebol, BTT/ciclismo… O conceito é dar a conhecer experiências e desmistificar a diabetes no desporto, com diabetes é fundamental mantermo-nos ativos - praticar desporto - ajudar a baixa valores de glicémia, evitando as normais complicações.
 
7· Para quem não sabe, o que isso significa, blue O?
O circulo deriva do símbolo internacional da diabetes o círculo, representando a união pela diabetes e simboliza o apoio à Resolução das Nações
Unidas sobre a diabetes.
O nome “blue” surge pela cor do círculo, representando o céu e a cor da bandeira das Nações Unidas, caracterizando a união entre os países.
Complementam as riscas da UCI (União Ciclismo Internacional), porque foi com o BTT que tudo se desenrolou.


8· A marca criou impacto nas maratonas de BTT em que participava?
A 1ª vez que apareci com o equipamento vestido senti que o 1º objetivo estava alcançado. Passei a representar algo. Sem dúvida que fiquei conhecido!
És diabético? Dás-te bem? O teu equipamento é bastante giro. Como controlas as coisas? Onde se pode comprar um igual?
Internacionalmente, em 2012, foi distinguido como "Week Heroe" da IDF (Federação Internacional da Diabetes) na divulgação do Projecto blue O.
De forma alguma, a nível nacional até pode ser, mas não propriamente... Há muitos blue's O que reportam as suas experiências, esse é o mote do Projecto blue O.
 
9· É o único diabético desportista com um projecto deste género, de comunicar a diabetes desta forma?
Se vamos para Espanha há vários atletas com uma ideia semelhante, nos mesmos moldes, até profissionais; o Jon Karro desenvolveu a equipa “DT1 Team”.
O Antonio Lledó, recentemente foi finisher da “Titan Desert 2014”, foi o 1º diabético Tipo 1 a conseguir este feito.
Um exemplo inglês de atleta Olímpico na qualidade de remo é o de Sir Steve Redgrave, diagnosticado DT2 em 97 foi aos Jogos de Sidney 2000 e veio com a medalha de ouro. É um bom exemplo este!!!
No Canadá, em 2014, o Sebastien Sasseville empreendeu uma corrida de 7500K para divulgar a diabetes...
Temos a atual “Team Novo Nordisk”, 1ª equipa de ciclismo profissional do Pro Tour, fundada por Phil Southerland, constituída só por diabéticos, que
também tem representação noutros desportos.
Há um vasto leque de "activistas", uns mais profissionalizados, outros só pelo gosto de...


10· Depois do blog e do conceito blue O, quase que criou uma equipa. Quantos desportistas envergam o seu jersey actualmente?
A última contagem que realizei, sem todos estarem registados, são mais de 50.
Na sede da Canyon, em Koblenz, há uma numa parede.
Espanha e Costa Rica foram os primeiros internacionais, México, USA e Brasil foram este ano.
Alguns não são diagnosticados, é pura amizade e/ou gosto em difundir o Projecto blue O. Equipa propriamente não há, é pura carolice, investimento de cada um financeiro e particular em querer reportar as experiencia vividas com o jersey vestido.
Sem sombra de dúvida, esse é o principal objetivo do “Projecto blue O”.
 
11· Orgulha-se de ter ajudado a passar a mensagem que diabetes não é inimiga do desporto?
Temos que desmistificar que o diabético não pode praticar desporto. Pode e deve manter-se ativo!
A diabetes não acarreta impedimento perante o desporto, faz parte do seu tratamento, a par de uma dieta equilibra e a insulina, ou antidiabéticos orais.
O desporto ajuda a transformar os HC ingeridos para o sangue, e isso é fundamental.
 
12· Que tipo de desporto pratica neste momento? Só BTT?
BTT, ciclismo de estrada, caminhada, corrida, trail, natação, o triatlo estou a "construi-lo"!
 
13· Quantas vezes treina por semana? E provas?
Este inverno comprei um rolo, equipamento que me permitiu "rolar" alguma coisa, num Inverno tão rigoroso. Sair de bicicleta durante a semana é-me
difícil.
Na condição de pai de família, as deslocações às actividades extracurriculares, dos miúdos "queima-me" algum tempo.
Tento encaixar nos meus horários a caminhada/corrida, natação e também a bicicleta, mas nunca treinos longos. "Roubo-me" algumas horas de sono
pois toda a envolvência do Projecto blue O leva-me algum tempo.
Alguns fins-de-semana são dedicados às provas; maratonas de BTT, os já famosos trail run, algum atletismo - máximo 10k - aparece depois o triatlo. O meu calendário vai sendo traçando no blog. Este ano, provavelmente vou representar a blue O fora de Portugal, sempre com a ajuda da Novo Nordisk Portugal, sem eles quase nada teria sido possível.
As situações conjugaram-se. Em 2013 a CANYON GmbH disponibiliza-me duas bicicletas, BTT e estrada, esta ultima permitiu-me diversificar treinos.


14· Como é que passou do BTT agora para se iniciar no trail run e no triatlo? Qual foi essa motivação?
As caminhadas e alguma corrida sempre fizeram parte. O meu objetivo não são pódios, tento ser e estar ativo. Daí que posso perfeitamente fazer 25K de trail moderado, recordam-me os tempos de infância e escotismo. Fiz a 1ª…
Porque já pratiquei natação... Ainda estou longe da distância olímpica, mas na versão "sprint" quero iniciar o currículo.
Com certeza que sim, a blue O já é e vai ser para difundir até onde for possível.
 
15· Também vai levar o conceito blue O ao mundo do trail e do triatlo?
O conceito é sempre o mesmo, desmistificar o desporto numa pessoa que padece de diabetes, falando das nossas experiências. Sou o mentor e dedico bastante tempo à causa, sinto orgulho nisso, mas são os que me querem acompanhar que fazem o resto do trabalho...

 
16· O que o Carlos faz profissionalmente?
Atualmente trabalho num Call Center.
Sou Licenciado em Engª Biológica e Alimentar com experiência profissional em Química, pintura automóvel e industrial. Se já era polivalente, passou a ser uma obrigação na vida!
 
17· É casado? Tem filhos?
Casado, com 3 filhos. Uma rapariga emancipada, um rapaz, atleta de natação pura e uma criança, também atleta de natação pura e parece que pianista.
 
18 Vive em Castelo Branco, certo? Sempre viveu aí?
Nasci e atualmente vivo em Castelo Branco.
Após os meus estudos realizados em CB vivi na Holanda durante um estágio Leonardo da Vinci. Devido à multinacional onde trabalhei, viajava muito pela europa, chegando a residir em França. Em cada país arranjava sempre uma bicicleta nacional como meio de transporte. Quanto mais a norte, maior é a cultura ciclística.

Sem comentários:

Enviar um comentário